O Ministério Público Federal (MPF) em Goiás enviou uma Recomendação ao Ministério da Educação (MEC) para que sejam coibidas manifestações de natureza político-partidárias no interior das instituições de ensino. E pede que sejam criados canais de denúncia e que as mesmas sejam encaminhadas aos órgãos competentes para responsabilização administrativa, civil e criminal dos agentes públicos e particulares envolvidos. Além disso, que tomem providências cabíveis para inibir, prevenir e punir atos político-partidários nas instituições públicas de ensino.
O objetivo desta medida não é proteger nossas instituições contra um suposto aparelhamento do bem público por partidos políticos e isso fica explícito no arrazoado da referida recomendação. Em determinado momento o procurador autor da ação afirma que são “públicas e notórias as ocorrências de diversas manifestações de natureza político-partidária nas instituições de ensino no Brasil, que culminam, amiúde, na paralisação das atividades escolares; danos ao patrimônio público; prejuízo ao calendário estudantil; intimidação dos estudantes e funcionários; invasões ou “ocupações” de prédios por supostos estudantes e outras pessoas, bem como integrantes de “movimentos sociais”, em protesto contra diversas ações do governo federal etc.”.
Ou seja, o que é chamado de manifestações de natureza político-partidária é toda e qualquer luta por direitos promovida por docentes, técnico(a)s ou estudantes. Qualquer manifestação de insatisfação poderá ser denunciada como de natureza político-partidária e ser criminalizada e coibida.
A Recomendação, prontamente aceita pela gestão do MEC, é um atentado às liberdades previstas em nossa Constituição. Em 1988, com a forte mobilização que pôs fim ao período autoritário anterior, conseguimos a liberdade de organização sindical, o direito a livre manifestação e, inclusive, a liberdade de organização partidária. Nossa luta não começou quando inscrevemos este direito na Carta Magna, ela é o motivo desse direito existir.
A questão torna-se mais grave, pois em recente decisão, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 548, assegurou a livre manifestação do pensamento e das ideias em universidades. No julgamento foi destacado que a autonomia universitária está entre os princípios constitucionais que garantem toda a forma de liberdade. A ADPF foi proposta pela então Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, contra decisões de juízes eleitorais que determinaram a busca e apreensão de panfletos e materiais de campanha eleitoral e reuniões e assembleias de natureza política, impondo a interrupção de manifestações públicas de apreço ou reprovação a candidato(a)s nas eleições gerais de 2018 em universidades federais e estaduais. Nessa ADPF o ANDES-SN foi amicus curiae.
Foi com nossa luta que vencemos o autoritarismo. Nesse ano nosso Sindicato Nacional completa 40 anos de existência e sua história se confunde com a luta por liberdades em nosso país. Fizemos greves quando elas eram proibidas. Organizamos associações sindicais quando a lei dos militares proibia o(a) servidor(a) público(a) de se sindicalizar. Não serão recomendações inconstitucionais que intimidarão nossa luta por direitos.
Mas, é forçoso reconhecer que a Recomendação é coerente com o momento político que nosso país vive. O crescente autoritarismo do atual governo, o estímulo a manifestações visando fechamento do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e a volta do famigerado Ato Institucional n.o 5 (AI-5), se coadunam com o pensamento reacionário do procurador de Goiás.
Questionaremos juridicamente a inconstitucionalidade da referida Recomendação. Mas, como a história nos mostrou, direitos e liberdades são conquistas. E são garantidas na luta cotidiana. A comunidade universitária não aceitará nenhuma medida que tente criminalizar sua luta.
Seguiremos firmes na luta por direitos e pelas liberdades democráticas.
Ditadura nunca mais!
Brasília (DF), 18 de fevereiro de 2021.
Diretoria Nacional do ANDES-SN