O ministro Paulo Guedes, fortalecido recentemente no cargo após as palavras do seu chefe, anunciou que os servidores públicos não vão ficar confortavelmente nos seus sofás, com as geladeiras cheias, enquanto assistem a crise sanitária, social e política se desenrolar, e deverão contribuir abrindo mão de reajustes salariais. É essa a imagem que ele deseja passar dos servidores públicos brasileiros, a quem já chamou de parasitas, e é essa forma que ele deseja impor sua autoridade, dirigindo bravatas e grosserias àqueles que movem a máquina pública, responsável pelos serviços essenciais à população e ao próprio governo.
Surpresa alguma em se tratando de um senhor que jamais conseguiu dar sinais de competência técnica ou de percepção de questões sociais, seja como economista, seja como gestor público. O tigrão mais uma vez rosna para aqueles que considera inimigo. Junta-se a ele o capitão, aquele que não faz milagre e nem por milagre consegue demonstrar empatia, civilidade ou simples sentimentos de humanidade.
Do sofá, ou de qualquer lugar de suas casas, parte dos servidores públicos, seja em trabalho remoto, seja em isolamento por pertencer aos chamados “grupos de risco”, assiste o circo de horror se desenrolar em rede nacional, enquanto outra parte coloca suas vidas em risco para salvar pessoas. Aqueles que não estão na linha de frente dessa luta, como o senhor ministro, certamente com sua geladeira cheia e proventos preservados, cumprem o dever de obedecer as indicações das autoridades de saúde e mantêm-se em casa como estratégia de controle de contágio da Covid19 – e não fazem isso por gozar de imerecidas férias.
O instinto ultraliberal do ministro deve inspirar-lhe uma vontade quase incontrolável de demitir todos esses trabalhadores que não estão nos seus lugares de trabalho, mas a legislação não o permite. Assim, transborda sua mágoa em agressões aos servidores e lança sobre eles a responsabilidade de gerar economia para a União, Estados e Municípios, sem avaliar o quanto isso pode representar no agravamento do empobrecimento da população e no enfraquecimento da já combalida economia.
Do lado de cá, dos nossos sofás, podemos lembrá-lo do fracasso da economia em 2019, antes da pandemia, e das promessas não cumpridas de redução do desemprego e de aumento de investimentos no Brasil.
Pedir respeito ao ministro é inútil, porque ele é incapaz. Seria como pedir seriedade e compromisso com o povo e a democracia ao presidente da República. Não podemos nos sentir culpados por estar em casa e receber nossos salários – essa é, inclusive, uma estratégia para manter a economia ativa em tempos de quarentena, adotada em vários países. Podemos, sim, ficar no sofá, mas não acovardados: cabe-nos unir em defesa dos nossos direitos de trabalhadores/as, do serviço público brasileiro, do SUS, da educação e da pesquisa públicas, rejeitando todos os repetidos ataques e desmascarando a incompetência e a insensibilidade social que caracteriza esse governo.
*Isabelle Meunier é professora do Departamento de Engenharia Florestal da UFRPE e vice-presidente da ADUFERPE.
Fonte: FolhaPE