Por  intermédio da presente Nota Técnica, em atenção à solicitação feita a essa Assessoria Jurídica Nacional, apresentar breve análise acerca do Projeto de Lei no 3.076, de 2020,  que institui o “Programa Institutos e Universidades Empreendedoras e Inovadoras – FUTURE-SE”. Após a apresentação inicial do programa em julho de 2019, o projeto foi submetido a uma consulta pública, que resultou no texto atual, encaminhado à Câmara dos Deputados.

A proposta original, formulada pela Secretaria de Educação Superior (SESu) do Ministério da Educação e submetida à consulta pública, pretendia promover uma alteração histórica de vários pontos legais que foram objeto de luta e resistência da classe trabalhadora ao longo dos últimos anos, inclusive quanto à não permissão de contratação de pessoal na educação, ou à cessão não-onerosa de estrutura de bens públicos e de servidores públicos para a iniciativa privada.

O texto remetido ao Congresso, apesar de insistir em algumas dessas pautas, mostra-se mais contido, já que não promove a alteração de nenhum dispositivo legal, preferindo por utilizar de instrumentos jurídicos já existentes, como aqueles previstos nas Lei no 8.958, de 1994, Lei no 10.973, de 2004 e Lei no 13.800, de 2019. Segundo a mensagem que acompanha a minuta do Projeto de Lei, o programa FUTURE-SE tem como objetivos

“incentivar fontes privadas adicionais de financiamento para projetos e programas de interesse de universidades e institutos federais; promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e inovação; fomentar a cultura empreendedora em projetos e programas destinados ao ensino superior; estimular a internacionalização das universidades e dos institutos federais; e aumentar as taxas de conclusão e índices de empregabilidade dos egressos de universidades e institutos federais”.

Para a adesão ao programa, será celebrado um contrato de resultado entre a universidade ou instituto federal e a União, por intermédio do Ministério da Educação, para estabelecer indicadores de resultado para implementação de ações que abrangerão todos os eixos do FUTURE-SE: 1) pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação; 2) empreendedorismo; e 2) internacionalização.

Eis aqui a primeira diferença entre o projeto inicial e o PL 3.076/2020. Na primeira versão, foram apresentados os seguintes eixos: 1) governança, gestão e empreendedorismo; 2) pesquisa e inovação; 3) empreendedorismo. Como contrapartida, serão concedidos às Ifes participantes os chamados benefícios por resultado, que compreendem o recebimento de recursos orçamentários adicionais, consignados pelo MEC, além da concessão preferencial de bolsas pela CAPES.

O monitoramento do contrato de resultado será realizado pelo MEC e pelo MCTIC, que avaliarão os indicadores de desempenho, com base no regulamento específico a ser apresentado e a partir de critérios de eficiência e economicidade, estabelecidos nos contratos de resultado celebrados.A ideia de lista de indicadores de desempenho estava ausente na versão original do programa, que previa apenas um plano de ação e diretrizes de governança.

Abandonou-se a figura das Organizações Sociais (OS), entidades com personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades são dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos na Lei, no apoio à execução das atividades vinculadas aos 3 eixos mencionados. Segundo o projeto original, as OS apoiariam a execução de planos de ensino, pesquisa e extensão das IFES, geririam os recursos do programa e auxiliariam na gestão patrimonial dos imóveis das IFES.

O novo projeto autoriza as universidades e os institutos federais a celebrar contratos e convênios diretamente com as fundações de apoio, devidamente credenciadas, nos termos da Lei 8.958/1994 e da Lei 10.973/2004, para alcançarem os resultados previstos em cada eixo. De fato, o PL sequer cita a figura da Organização Social, o que permite concluir que a implementação do programa ficará a cabo das fundações de apoio contratadas, por meio das quais se espera que haja contratação de serviços, execução de obras e aquisição de materiais de equipamentos. Segundo o governo,

“poderão ser celebrados tantos instrumentos quantos forem necessários para viabilizar o atingimento dos resultados de cada eixo do Programa, os quais poderão abarcar parte(s) ou a integralidade de um eixo, ou até mesmo os três eixos em conjunto, estando a forma de contratualização inserida na autonomia administrativa e de gestão financeira e patrimonial de cada instituição”.

Como se sabe, as Fundações de Apoio são instituições de direito privado, credenciadas pelo MEC e MCTI, que integram o Sistema Nacional de Desenvolvimento Científico, Tecnológico e de Inovação. A Lei no 8.958/1994, regulamentada pelo Decreto no 7.423/2010, em seu artigo 1º autoriza as IFES a celebrar contratos e convênios com as suas Fundações de Apoio com a finalidade de apoiar projetos de ensino, pesquisa, extensão e desenvolvimento institucional, científico e tecnológico e estímulo à inovação, inclusive na gestão administrativa e financeira.

O FUTURE-SE permite, ainda, que as universidades e os institutos federais participantes celebrem com as fundações de apoio instrumentos jurídicos específicos para projetos de produção, fornecimento e comercialização de insumos, produtos e serviços, no território nacional ou no exterior.

Além disso, foi retirado do texto a previsão atinente aos fundos de investimento, que seriam geridos pelas OS, na qual o Ministério da Educação poderia participar como cotista. A proposta atual, em seu artigo 27, prevê apenas que

“os fundos patrimoniais de que trata a Lei no 13.800, de 4 de janeiro de 2019, podem apoiar as ações do Programa Future-se, sem prejuízo da existência de outros fundos patrimoniais específicos para universidades e institutos federais”.

No que se refere aos Eixos do Programa, nota-se que o FUTURE-SE pretende fazer das IFES verdadeiras unidades empresariais. Implementação de programas de gestão patrimonial, por meio de cessão de uso, concessão, comodato, fundos de investimentos imobiliários, utilização de naming rights para bens públicos e a promoção de inovações que estimulem a criação de start-ups traduzem a real intenção do programa: privatizar as universidades, institutos e espaços públicos.

Mais do que isso, o projeto também se traduz em absoluta afronta ao artigo 207 da Constituição Federal, na medida em que a autonomia universitária será substituída por processos que objetivam, ao fim e ao cabo, o financiamento privado da educação pública e da pesquisa brasileira. Ora, que autonomia (didático-científica, administrativa e de gestão) será garantida às IFES se as receitas do Fundo da Autonomia Financeira são oriundas da sua comercialização e atuação junto ao mercado?

De todo o exposto, o que se evidencia como mais preocupante no FUTURE-SE é aquilo que não é dito. A despeito da voluntariedade de adesão, a destinação de recursos adicionais pelo MEC e a preferência na concessão de bolsas da CAPES como contrapartida ao atingimento das metas de desempenho pode causar um constrangimento para que as IFES se submetam ao programa, especialmente devido ao histórico de cortes no orçamento das universidades e instintos federais desde 2015. Até lá, não se pode inferir se a destinação direta de recursos públicos será mantida, nem se apresenta uma solução para os graves problemas que o estrangulamento do orçamento apresenta nos dias de hoje.

Sob o pretexto de promover a internacionalização das Instituições de Ensino Superior, a proposta encaminhada ao Congresso autoriza as fundações de apoio a contratar, por tempo determinado,pesquisadores e profissionais estrangeiros para atuar em projetos e programas de ensino, pesquisa e extensão internacionais do FUTURE-SE, sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho. Tal disposição parece violar o art. 37, inciso II, segundo o qual a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público, já que as atividades relacionadas ao ensino, pesquisa e extensão são típicas das Carreiras do Plano de Carreiras e Cargos de Magistério Federal, segundo art. 2º, da Lei 12.772/2012.

De certo, sabemos que o FUTURE-SE é confuso e complexo. Repleto de inconsistências jurídicas e tendente a vulnerabilizar a educação gratuita, a autonomia didático-pedagógica, administrativa e financeira, ao prever a assinatura de contratos de gestão com as fundações de apoio e ao determinar a inclusão conteúdos de propriedade intelectual, empreendedorismo e inovação de forma transversal nas matrizes curriculares nos diferentes níveis de formação acadêmica.

Não temos dúvidas de que o projeto é preocupante e pode implicar numa refuncionalização das universidades e instituições de ensino públicas, tornando-as vetores de negócio e membros de uma lógica típica do mercado. Além disso, se mostra desnecessário, na medida em que as parecerias entre setor privado e as universidades federais já existem e podem, inclusive, serem ampliadas pelo marco legal já existente.O que não se admite é que a transferência de recursos públicos seja condicionada à adesão ao programa.

Mas além de tudo isso e de toda a análise que aqui foi feita, o FUTURE-SE altera a lógica do trabalho docente: sai o professor pesquisador e entra o empresário do ensino. Não se refuta a importância do empreendedorismo, da inovação, do avanço tecnológico e nem se contraria o desenvolvimento da nação sob esse manto, o que, de fato, já é feito pelas universidades e institutos federais de ensino, de forma pública e gratuita. Mas travestir práticas de mercado com o nome de futuro não faz com que ele, de fato, aconteça.Considerando a complexidade e importância do tema, colocamo-nos a inteira disposição desse Sindicato Nacional para recrudescermos a análise aqui apresentada, bem como acrescentar ponderações que decorram da intensa publicação de expedientes normativos por parte do Governo Federal.

Leia a nota técnica na íntegra aqui.

Fonte: Leandro Madureira Silva, advogado da Assessoria Jurídica Nacional do ANDES-SN (Adaptado)