Vimos, por intermédio da presente Nota Técnica, em atenção à solicitação feita a esta Assessoria Jurídica Nacional (AJN), apresentar análise jurídica preliminar acerca da Instrução Normativa (IN) no 54, de 20 de maio de 2021, da Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal (SGP) do Ministério da Economia (ME).
A indigitada Instrução Normativa estabelece em seu artigo 1o os critérios e procedimentos gerais a serem observados pelos órgãos e entidades integrantes do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal (SIPEC), nas situações de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve, para o desconto da remuneração correspondente mãos dias de paralisação e para elaboração do respectivo Termo de Acordo para compensação de horas trabalhadas.
Para tanto, a Instrução Normativa no 54/21 funda-se no Parecer Vinculante no 004/2016/CGU/AGU, de 30 de novembro de 2016, da Advocacia-Geral da União, que, ao analisar a decisão proferida em repercussão geral pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Recurso Extraordinário no 693.456/RJ, assim concluiu:
1. A Administração Pública Federal deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre.
2. O desconto não deve ser feito se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita da Administração Pública Federal, conforme situação de abusividade reconhecida pelo Poder Judiciário.
3. O corte de ponto é um dever, e não uma faculdade, da Administração Pública Federal, que não pode simplesmente ficar inerte quando diante de situação de greve.
4. A Administração Pública Federal possui a faculdade de firmar acordo para, em vez de realizar o desconto, permitir a compensação das horas não trabalhadas pelos servidores.
Deveras, o STF nesse julgamento ocorrido em 2016, onde se discutia a possibilidade de desconto nos vencimentos dos servidores públicos dos dias não trabalhados em razão do exercício do direito de greve, assentou seu entendimento de que a administração pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação, permitindo-se a compensação em caso de acordo. Restou ressalvada apenas a hipótese de greve provocada por conduta ilícita do Poder Público, onde o desconto não é cabível.
Desse modo, é que a Instrução Normativa no 54/21 vem estabelecer critérios e procedimentos para efetivação dos descontos e elaboração de eventual termo de acordo de compensação que venha a ser firmado pelos órgãos e entidades integrantes da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo federal.
A primeira disposição nesse sentido é aquela prevista no seu artigo 2o, que estabelece a obrigação dos órgãos e entidades do SIPEC de informar à SGP e manter atualizadas as ocorrências de paralisação parcial ou total das
atividades por meio do Sistema Eletrônico de Registro de Greve (SERG).
Já o artigo 3o, na linha do que decidido pelo STF, expressamente estabelece que a Administração Pública Federal deve proceder ao desconto da remuneração correspondente aos dias de greve.
No artigo 4o está prevista a faculdade aos órgãos e entidades integrantes do SIPEC, desde que atendido o interesse público, de firmar termo de acordo para permitir a compensação das horas não trabalhadas pelos servidores e a devolução dos valores já descontados, desde que com a anuência do órgão central do SIPEC.
Contudo, de acordo com o artigo 5o, da IN, esse termo de acordo somente será estabelecido se a motivação da greve tiver conexão com aspectos abrangidos pelas relações de trabalho no âmbito da Administração Pública Federal.
Os demais dispositivos da IN trazem questões formais e operacionais para efetivação do acordo de compensação.
Nesse diapasão, percebe-se que a IN no 54/21 materializa no âmbito da Administração Pública a decisão tomada pelo STF no julgamento do Recurso Extraordinário no 693.456/RJ, padecendo, portanto, dos mesmos vícios dessa
decisão judicial.
Isto porque, mesmo que irrecorrível e com repercussão geral, a decisão do STF, na avaliação desta AJN, representa uma afronta ao direito fundamental de greve dos servidores públicos, porquanto ao presumir abusivo qualquer movimento paredista com a punição imediata do desconto dos dias parados, além de inibir o exercício desse direito, vai de encontro ao que se pratica na iniciativa privada, conforme previsto na Lei no 7.783/89, que deve, segundo o próprio STF, ser aplicada aos servidores públicos (MIs nos 670, 708 e 712).
Outrossim, vislumbra-se no artigo 5o, da IN no 54/21, mais um fator inibidor do direito de greve, uma vez que movimentos paredistas que extrapolem aspectos abrangidos pelas relações do trabalho, o que em especial na relação com o Poder Público carrega um grau de subjetividade muito grande, não poderão ser objeto de pactuação de compensação.
Por ora, não entendemos oportuno que seja feita qualquer discussão judicial sobre a IN no 54/21, até porque diante da decisão do STF, as chances de êxito são pequenas. Mostra-se mais indicado que essa discussão seja feita diante de casos concretos, oportunidade em que questões específicas e peculiares poderão ser tratadas.
Por outro lado, articulando-se com outras entidades representativas dos trabalhadores do setor público, mostra-se viável que essa situação seja denunciada a organismos internacionais, em especial a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Urge que a Convenção no 151, da OIT, que garante a negociação no serviço público e já ratificada pelo Brasil, seja cumprida. Greve sem negociação coletiva não viabiliza plenamente o exercício desse direito fundamental.
Sendo o que tínhamos para o momento, colocamo-nos à disposição para quaisquer esclarecimentos que se façam necessários.
Rodrigo Peres Torelly
OAB/DF no 12.557
Assessoria Jurídica Nacional