Análise da MP 1.042 que dispõe sobre a transformação de cargos em comissão, funções de confiança e gratificações

Vimos, por intermédio da presente Nota Técnica, em atenção à solicitação feita a esta assessoria jurídica nacional, apresentar análise da Medida Provisória no 1.042, de 15 de abril de 2021, que dispõe sobre a transformação de cargos em comissão, funções de confiança e gratificações.

A MP 1.042/2021 promove uma série de modificações no ordenamento jurídico do serviço público e da Administração Federal que precisa ser analisado de uma forma um pouco mais apurada. De início, ela diz que pretende simplificar a gestão de cargos em comissão e de funções de confiança, mas em verdade o que promove é a concessão de poderes supremos ao Poder Executivo Federal, de maneira absolutamente desalinhada com a Constituição Federal.

Segundo o texto, o Poder Executivo Federal fica autorizado a transformar os cargos em comissão as funções de confiança e as gratificações, desde que não haja aumento de despesas. Essas alterações poderão ser efetuadas por mero ato do Poder Executivo, sem qualquer análise de oportunidade mais profunda, o que coloca a Administração Pública suscetível a desmandos políticos e ideológicos bastante perigosos.

É que o Governo Federal de Jair Bolsonaro poderá promover a restrição, a realocação e a transformação de cargos e funções nas instituições federais de ensino, no Banco Central do Brasil e nas agências reguladoras. Com isso, essa ampla discricionariedade e simplificação da transformação dos cargos e funções promoverá ainda mais precarização na gestão desses órgãos, que em tão pouco tempo de governo evidencia seu maior desprezo às universidades e instituições de ensino.

Quanto às gratificações, essas afetarão todo o Poder Executivo Federal, mas se aplicam somente àquelas cuja concessão, designação, nomeação, retirada, dispensa ou exoneração possa ser realizada mediante ato discricionário da autoridade competente e que não componham a remuneração do cargo efetivo, do emprego, do posto ou da graduação, para qualquer efeito. Ou seja, toda e qualquer gratificação que seja discricionária poderão ser demovidas por mero ato do Poder Executivo.

E qual é o principal problema dessas previsões? A principal implicação é que se trata de uma medida evidentemente inconstitucional. Segundo o art. 84, inciso VI da Constituição Federal, compete privativamente ao Presidente da República dispor, mediante decreto, sobre: a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; e b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos.

Ora, a Constituição Federal já evidencia a competência do Presidente da República na organização da Administração Federal, bem como determina qual é o instrumento jurídico para tanto.

Por outro lado, a MP 1.042/2021 usurpa essa competência do ato previsto, sujeitando as transformações
em qualquer ato e não mediante decreto.

Ademais, a MP designa a possibilidade de função legislativa ao Presidente da República, em contrariedade ao texto da Constituição, na medida em que ela estende a sua competência de maneira formal e material. O tipo de decreto que pode ser utilizado pelo Presidente da República no exercício da sua competência privativa não lhe dá o direito de legislar sobre determinado tema, mas tão somente de promover organização e funcionamento da Administração Pública. A MP 1.042/2021, todavia, garante ao Presidente a possibilidade de transformar e alterar os cargos, funções e gratificações, sem que tal permissão exista na Constituição Federal, além de prever essa possibilidade mediante qualquer ato do Poder Executivo.

Apesar da péssima técnica legislativa, e para além da previsão das aberrações jurídicas mencionadas, a MP 1.042/2021 também institui novos cargos em comissão e funções de confiança, agora designados como Cargos Comissionados Executivos (CCE) e as Funções Comissionadas Executivas (FCE) que seriam destinados às atividades de direção, chefia e assessoramento, e que poderão ser criados também por mero ato do Poder Executivo.

De início, a MP determina que uma série de cargos em comissão, funções de confiança e gratificações ficam automaticamente extintos e todos os seus ocupantes serão exonerados e dispensados. Para os cargos, funções e gratificações das autarquias e fundações públicas, o momento da extinção será até 31 de outubro de 2022, enquanto na administração pública direta ou sem alocação definida, o prazo é em 31 de março de 2023. Esses cargos, funções e funções gratificadas são os previstos no art. 15 da MP 1.042 e se relacionam aos Cargos em Comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores; Funções Comissionadas do Poder Executivo – FCPE; Funções Comissionadas Técnicas – FCT; Funções Gratificadas – FG; Gratificações de Representação dos Órgãos Integrantes da Presidência da República; e Gratificações Temporárias pelo exercício na Advocacia-Geral da União.

A MP 1.042/2021 também disciplina os critérios para ocupação dos cargos em comissão e das funções de confiança, determinando que seus ocupantes gozem de idoneidade moral e reputação ilibada; perfil profissional ou formação acadêmica compatível com o cargo, a função ou a gratificação para a qual tenha sido indicado; e não sejam enquadrados nas hipóteses de inelegibilidade da Lei Complementar no 64/1990. A máxima “casa de ferreiro, o espeto é de pau” parece também se aplicar ao Governo Federal e aos familiares do Presidente da República, constantemente citados como envolvidos em escândalos de natureza duvidosa, para se dizer o mínimo.

Por fim, vale acrescentar que o Presidente Jair Bolsonaro se utiliza do instrumento jurídico da Medida Provisória de maneira absolutamente contrária a sua finalidade. Nos termos do art. 62 da Constituição Federal, as Medidas Provisórias somente deveriam ser utilizadas em situações de relevância e urgência, como circunstâncias excepcionais, e não ao bel alvitre do chefe do Poder Executivo para tratar de uma questão que certamente poderia ser debatida pela propositura de um projeto de lei. O governo apenas evidencia a sua atecnicidade jurídica ao se utilizar indevidamente das medidas provisórias, que deveriam sim ser utilizadas para promover medidas urgentes e relevantes como as de combate ao coronavírus, por exemplo. Porém, em plena pandemia, Jair Bolsonaro decide editar uma medida para tratar da extensão de seus poderes supremos, antecipando pontos que ainda serão analisados pelo Congresso Nacional na Reforma Administrativa, promovendo uma mini-reforma sem qualquer embasamento constitucional e ao usurpando da competência do Poder Legislativo.

Mais uma vez, o governo federal não pretende melhorar a atividade pública ou o serviço público prestado, mas precarizá-los em sua forma e em sua função. Toda medida tem seu custo e quem pagará por esse sucateamento será a população, sobretudo a mais vulnerável. Nesse sentido, permanecemos à disposição para qualquer esclarecimento que seja necessário.

Atenciosamente,

Leandro Madureira Silva
OAB/DF no 24.298
Assessoria Jurídica Nacional